'Sarjeta fantasma' bancou desvio de verba indicada por ministro de Lula, diz TCU
O superfaturamento chegou a R$ 700 mil em razão de a Engefort ter cobrado pela construção de sarjetas que na verdade nunca foram erguidas
Foto: Ag. Câmara
Por Flávio Ferreira e Mateus Vargas
Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revela desvios em obras que contaram com verbas públicas direcionadas pelo atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), ao reduto eleitoral dele governado pela irmã.
A beneficiária do superfaturamento segundo os auditores foi a empreiteira Engefort, que é apontada pela fiscalização do TCU como líder de um cartel de empresas de asfaltamento que teria fraudado licitações que somam mais de R$ 1 bilhão no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Os desvios ocorreram em dois contratos da estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos vales do São Francisco e do Parnaíba) para asfaltamento no município de Vitorino Freire (MA), que tem como prefeita Luanna (União Brasil), irmã do ministro do governo Lula (PT).
O superfaturamento chegou a R$ 700 mil em razão de a Engefort ter cobrado pela construção de sarjetas que na verdade nunca foram erguidas, de acordo com a auditoria do TCU. Os dois contratos somam R$ 8 milhões.
Os recursos para as obras em Vitorino Freire foram obtidos por "destaque orçamentário" indicado por Juscelino Filho no final de 2019, quando ele era deputado federal. Nesse tipo de operação, o Ministério do Desenvolvimento Regional repassa recursos a outros órgãos, como à Codevasf, para a execução dos serviços.
O fiscal desses contratos pela Codevasf era Julimar Alves da Silva Filho, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal em outubro passado sob suspeita de ter recebido propina de R$ 250 mil para favorecer outra empreiteira, a Construservice, em obras da estatal.
Batizada de Odoacro, a operação da PF levou ao afastamento de Silva Filho de seu cargo público na Codevasf.
O TCU aponta que o modelo de sarjeta escolhido inicialmente nas licitações é mais largo e profundo do que aquele utilizado em vias urbanas --na verdade é usado apenas em rodovias.
Os técnicos do tribunal só tiveram o trabalho de avaliar fotos das obras e facilmente identificaram a falta da construção das sarjetas. Se fossem erguidas, as sarjetas ocupariam metade da largura das vias urbanas.
Em resposta ao TCU em dezembro, a Codevasf admitiu o superfaturamento e afirmou que iria pedir de volta o dinheiro pago às empresas pelo serviço não prestado. Segundo a estatal, a irregularidade ocorreu "devido a um equívoco no código de referência do serviço de sarjeta, não sendo este fato intencional".
De acordo com a auditoria do TCU, além das "sarjetas fantasmas", ocorreu uma outra irregularidade nos dois contratos, que tiveram o aval de Silva Filho.
A área técnica do tribunal afirma que aditivos elevaram, sem nenhuma justificativa técnica, o custo para transporte de materiais de cerca de 10% para 30% dos valores executados nos dois contratos.
Ao responder ao TCU sobre o problema, a Codevasf argumentou que a elevação nesse item ocorreu após um pedido da Engefort que foi acolhido por Silva Filho.
De acordo com a Codevasf, a empreiteira alegou que os adendos contratuais eram necessários pois algumas ruas previstas no projeto básico da prefeitura local já tinham sido asfaltadas por outros órgãos ou pela própria prefeitura, e então ocorreu "a alteração das vias indicadas" e "modificação das necessidades iniciais elencadas no projeto básico".
A estatal ainda afirmou que o aditivo retirou valores de obras de calçadas e acrescentou custos de transporte, mas que não houve mudança no preço final do contrato.
A Engefort foi contratada por uma modalidade de licitação simplificada que a Codevasf passou a utilizar para escoar verbas indicadas por parlamentares, como revelou a Folha.
Em algumas disputas desse tipo, a estatal não apontava o local exato em que a obra seria executada, o que abriu margem para "ocorrência e risco de superfaturamento" nos valores de transporte de material, segundo a análise do TCU.
O ministro Juscelino Filho foi escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as Comunicações como forma de acomodar a União Brasil no primeiro escalão do governo.
No governo Bolsonaro, o então deputado foi beneficiado por negociações entre Congresso e o Executivo para liberação de verbas. Ele direcionou ao menos R$ 77 milhões de 2019 a 2021, sendo que ao menos R$ 42 milhões irrigaram contratos da Engefort e da Construservice.
Ministro diz que não têm relação com empresas suspeitas de desvios Os advogados do ministro, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, afirmaram em nota que as emendas são legais, beneficiam diversas comunidades carentes do interior do Maranhão e que a responsabilidade da contratação é do executor da obra, e não de Juscelino.
"A maior prova de que não há uma relação entre a contratação de tais empresas e o deputado é que essas empresas executaram diversas obras, inclusive em outros estados, com fontes orçamentárias diversas, seja de municípios, estados e emendas de outros parlamentares" disseram os advogados.
A Engefort também negou ter mantido relações com o Juscelino Filho que possam ter resultado em irregularidades.
"Quanto o atual ministro das Comunicações Juscelino Filho, informamos que inexiste qualquer relação pessoal deste ou de seus parentes, com a Engefort Construtora, e que nunca houve doações para suas campanhas eleitorais. Ressaltamos que as situações em que a Engefort manteve contato com o atual ministro se deram de forma estritamente profissional, na ocasião de eventos ", afirmou a empreiteira.
"A Engefort Construtora repudia veemente os apontamentos de que participou de um cartel, uma vez que a Engefort nunca combinou preços com empresas concorrentes e jamais atuou para fraudar qualquer licitação", completou.
A Codevasf afirmou em relação às "sarjetas fantasmas" que as empresas acusadas de desvio "já se manifestaram favoráveis ao ressarcimento" e "o processo de devolução de valores está em tramitação administrativa".
O advogado Marcio Almeida, defensor de Julimar Alves da Silva Filho, disse que os aditivos aos contratos com a Engefort foram feitos ao longo da execução para que ocorresse uma adequação ao que estava sendo realizado.
Os pagamentos ocorreram em conformidade com o que foi executado, com os projetos executivos e com os aditivos, que foram feitos dentro dos limites da lei, afirmou.
A defesa da Construservice e de Eduardo Costa informou que não pode se manifestar sobre investigações sigilosas, mas negou o envolvimento deles em práticas criminosas na Codevasf.
* com informações de Folhapress