População usa cartão de crédito para ‘esticar’ a renda
Serasa também identificou inadimplência recorde na RMC em maio de 2023

Por Edimarcio A. Monteiro / Correio Popular
Um em cada três consumidores está usando o cartão de crédito para cobrir as despesas básicas diárias, utilizando o limite de compra extra para “esticar a renda”, além de ganhar até 30 dias para fazer o pagamento. O comportamento foi revelado pela pesquisa Perfil de Crédito do Brasileiro, realizada pela Serasa, que ouviu 3.097 pessoas, inclusive da Região Metropolitana de Campinas (RMC), que bateu novo recorde de inadimplência em maio. De acordo com o levantamento, 37% disseram fazer uso diário e 52% possuem três ou mais cartões. Dessa última parcela, 35% admitiram que o principal motivo dessa multiplicidade é para poder somar os limites.
“Esse comportamento revela que o brasileiro ainda utiliza o cartão de crédito como uma forma de regularizar as despesas, mesmo que seja coordenando mais de uma fatura”, explicou a diretora da Serasa Crédito, Amanda Rapouzo. Neste cenário, o cartão passou a ter papel importante no orçamento familiar, sendo usado para consumos essenciais, como compras no supermercado, lojas de varejo e combustível.
“Eu uso para tudo. Fica mais fácil para controlar e disciplinar as despesas”, diz a caixa Simone Scavone, que tem mais de um cartão. Para ela, as próprias administradoras de cartões incentivam o uso massivo ao oferecem vantagens para os clientes, como pontuação que depois podem ser convertidos em milhas para ganhar passagens aéreas.
VALORES BAIXOS
Com isso, os consumidores acabam usando o crédito para despesas com valores baixo. “As pessoas usam o cartão de crédito para pagar compras a partir de R$ 2”, disse o administrador de um mercado atacadista na Vila Industrial, Cláudio Euzébio. Na loja, essa modalidade é a principal forma de pagamento, representado 52% do faturamento. O cartão de débito aparece em segundo lugar com 18%, com o vale-alimentação tendo uma participação de 10%. Os 20% restantes são com outros meios, inclusive dinheiro.
Segundo Euzébio, o grande volume de operações com cartões de crédito faz com que consiga negociar taxas de serviços mais em conta e pagamentos mais rápidos com as operadoras. “Tem uma empresa que faz o pagamento imediato. É só passar o cartão na maquininha e o dinheiro já cai na conta”, afirmou o administrador.
“Usar o cartão é muito prático, além de conseguir jogar para o mês seguinte uma despesa imediata”, disse a atendente de enfermagem Núbia Venâncio, que usa versão digital para o smartphone.
A pesquisa identificou ainda como é o uso desse meio de pagamento no orçamento mensal, com as aplicações muitas vezes estando casadas. De acordo com o levantamento, 61% dos pesquisados disseram usar para parcelar as compras, 37% destinam para os gastos de emergência, 31% para fazer compras pela internet e 12% para aproveitar os benefícios oferecidos pelas administradoras.
A partir da pesquisa, a Serasa definiu dez perfis de crédito. Eles descrevem característica, hábitos e desejos entre os usuários. São o consumidor consciente, gestor básico, planejador de sonhos, conectado Zuckerberg, amigos das compras, apaixonado por milhas, investidor antenado, apostador de oportunidades, caçador de recompensas e principiante descolado.
“A pesquisa demonstra que os consumidores estão antenados às funcionalidades do cartão como um aliado na hora de tirar planos do papel e de auxiliar na melhoria da saúde financeira. Acreditamos que a educação financeira seja a chave para adotar bons hábitos e tornar o uso do crédito ainda mais responsável”, afirmou Amanda Rapouzo.
REFLEXO
O uso intenso do cartão de crédito reflete também no aumento da inadimplência, que bateu novo recorde na Região Metropolitana de Campinas em maio. De acordo com a Serasa, as 20 cidades da RMC somam 1,1 milhão de devedores, com a dívida chegando a R$ 6,39 bilhões.
O montante teve alta de 1,91% na comparação com os R$ 6,27 bilhões de abril, que era o recorde anterior. Já total de inadimplentes, que também é o maior da história na região, teve aumento de 0,81% em relação ao 1,09 milhão do mês anterior.
De abril para maio, 8.923 nomes entraram para a lista de devedores da empresa de análise de crédito, o que representa uma média de 12 novas inclusões por hora. Segundo a Serasa, os atrasos no pagamento da fatura do cartão de crédito são a maior fonte de inadimplência, representando 31,94% do total das dívidas. Depois aparecem as chamadas utilities, com participação de 21,45%, que são contas básicas como as de água, luz e gás. O varejo aparece na terceira colocação do ranking, com 11,31%.
Deixar de pagar o cartão é um péssimo negócio. “O crédito rotativo do cartão possui a taxa de juros mais cara do mercado, em torno de 14,5% ao mês”, explicou o economista Edson Trajano. A taxa média cobrada pelos bancos nas operações rotativas chegou a 455,1% ao ano em maio, de acordo com levantamento feito pelo Banco Central. É o maior patamar em seis anos.
Como comparação, os juros que são cobrados em operações com pessoas físicas acumulam um valor dez vezes menor, 45,4% ao ano. Os representantes das instituições financeiras argumentam que o fato de os consumidores poderem parcelar sem juros no cartão, algo que, praticamente, existe apenas no Brasil, e que deixa o risco integralmente com a operadora, contribui para a alta taxa cobrada.
“Para quem recebe salário mensal, o ideal é ter apenas um cartão. Ter mais representa maior possibilidade de gastos e dificuldade de gerenciar as contas”, disse Trajano.
“Entrar no rotativo do cartão nunca é uma boa opção, pois qualquer dívida com esse tipo de crédito, por menor que seja, pode virar uma bola de neve, contribuindo para endividamento”, completou. A caixa Simone Scavone afirmou que há cinco anos teve problemas com atrasos da fatura do cartão de crédito, o que a obrigou a negociar o parcelamento da dívida, que foi quitada. “Agora pago em dia, não deixo atrasar. Tomo o maior cuidado”, disse ela.
Para o economista, o cartão pode ser um bom aliado na gestão das finanças, mas não pode ser usado como uma extensão do salário. Ele acrescentou que o consumidor deve levar em conta dois cuidados básicos no uso desse meio de pagamento. Fazer um controle financeiro da renda, para ter certeza que conseguirá pagar a fatura, e pensar muito antes de parcelar a compra.
“Se a pessoa se enrolar com o rotativo do cartão, uma sugestão é pedir um empréstimo pessoal para pagar a dívida, pois tem juros menores”, explicou Trajano. De acordo com a Serasa, o número de inadimplentes cresceu 4,65% na RMC nos últimos 12 meses. O total era de 1,05 milhão em maio de 2022. Já o valor das dívidas registrou alta de 21,95% no mesmo período. O montante era de R$ 5,24 bilhões no quinto mês de 2022.
Em um ano, o valor aumentou R$ 1,15 bilhão, o equivalente a todo o orçamento da Prefeitura de Valinhos para 2023, incluindo as despesas com salários e investimentos.
Campinas fechou maio com 435.604 inadimplentes, o que representou aumento de 1,05% em relação aos 431.063 do mês anterior, de acordo com a Serasa. Já as dívidas somaram R$ 2,6 bilhões, elevação de 1,97% em relação aos R$ 2,55 bilhões de abril.