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Por Redação

Pais e filhos

Judith Brito é membro da Academia Itatibense de Letras e escreve aos sábados no Jornal de Itatiba, assinando a coluna Tricotando...

Por Redação

O livro "O lugar" (Editora Fósforo) iniciou a produtiva e longa carreira da francesa Annie Ernaux, inaugurando uma série de textos de muito sucesso (inclusive internacional). É autobiográfico, mas também revela fenômenos sociológicos em curso na França nos anos 50. A autora trata das relações de família e com o pai em especial, com o entorno social em transformação: os pais procuram sobreviver e tentam melhorar de vida a partir do trabalho físico, enquanto almejam para os filhos o estudo e uma condição melhor, de menos esforço. Isso ocorreu com a autora, que pôde estudar, ser professora e depois escritora de sucesso. Além disso, pôde viver em cidades maiores e menos provincianas, e se casou com um homem escolarizado e burguês. 

Essa ascensão também estabelece uma espécie de "diferença familiar de classe" entre as duas gerações. Diz Ernaux: “Ao longo do verão, enquanto esperava meu primeiro cargo de professora, pensei: ‘um dia terei de explicar todas essas coisas’. Terei de escrever sobre meu pai, sobre a vida dele e sobre essa distância entre nós dois, que teve início em minha adolescência. Uma distância de classe, mas bastante singular, que não pode ser nomeada. Como um amor que se quebrou.”

De certa forma, minha família – como tantas outras – também viveu essa transformação. Até a geração de meus pais (quando crianças e jovens), a vida na roça conferia prioridade ao trabalho braçal, garantindo a sobrevivência do grupo. Já contei em outros textos como meu pai, o mais velho de sete irmãos, começou a trabalhar na lavoura ainda criança, e somente pôde frequentar a escola rural por poucos meses, graças à minha mãe (que morava na vizinhança) e à professora Bete Abrão (que perguntou aos alunos se conheciam crianças sem estudar). Minha mãe mencionou os Brito. A incansável professora foi até a casa de meu avô Raimundo e fez o pedido – afinal, quem mandava era ele – para que meu pai, ainda criança, pudesse ir à escola. Foi assim que ele se alfabetizou nos poucos meses de aprendizado – aliás, muito bem aproveitados. Ele contava: mesmo tão pequeno, tinha consciência de que não poderia ficar muito, precisava voltar ao trabalho em tempo integral. Como as diferentes séries eram ministradas juntas, numa mesma sala de aula, para aproveitar mais a oportunidade ele prestou atenção, simultaneamente, no que era ensinado aos alunos mais avançados, do segundo ao quarto ano.

Tenho enorme admiração pelo tanto que meu pai conseguiu realizar, com muito esforço, junto com minha mãe. Mesmo sem voltar a estudar para realizar seu sonho de cursar engenharia – já que a prioridade era criar a filharada -, fazia planos e contas para tocar sua relojoaria, lia jornais e escrevia muito bem. Além disso, era exímio contador de histórias. Foi assim que minha querida tia Joana (de Brito Delboux) e eu recolhemos seus causos e os registramos no livro “Causos da roça”, de 2005. Lembro-me de sua felicidade e também de sua ansiedade quando do lançamento (em festa gostosa, no salão do Asilo São Vicente de Paula). Ele me pediu que ficasse junto na mesa dos autógrafos nos livros de parentes e amigos presentes, de forma que eu escrevesse as mensagens para ele assinar. E tenho foto dele dando entrevista à TV Itatiba, tenso e atento, no afã de falar direito. Não precisava: ele se expressava muito bem!

Que história bonita: teve filhos (oito!), plantou árvores (muitas!), escreveu um livro. Fez esforço (sempre junto com minha mãe) para que os filhos estudassem, conseguindo também manter todo mundo unido pela vida afora, sem as “distâncias de classe”. E com a humildade do homem simples que sempre foi.

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