Como as mudanças climáticas estão alterando o sono dos animais
Coluna Papo Verde com Dani Fumachi
As mudanças climáticas estão impactando o comportamento dos animais de maneiras cada vez mais sutis, mas igualmente alarmantes. Além das migrações antecipadas e da destruição de habitats, um fenômeno recentemente estudado está ganhando destaque: a alteração nos padrões de sono de diversas espécies, forçadas a adaptar seus ritmos naturais às novas condições ambientais.
Assim como o sono é essencial para a nossa saúde, também o é para os animais. A falta de repouso adequado pode comprometer o funcionamento de seus corpos, a habilidade de caçar ou fugir de predadores e, em última instância, sua sobrevivência. Com o aumento das temperaturas e a intensificação de eventos climáticos extremos, espécies ao redor do mundo estão tendo seu descanso perturbado — um reflexo claro do desequilíbrio ecológico que estamos enfrentando.
O sono dos animais em um mundo em ebulição
O aquecimento global está mudando as temperaturas, tanto durante o dia quanto à noite. Em regiões que tradicionalmente contavam com noites frescas, as temperaturas mais altas estão interferindo nos ciclos biológicos de várias espécies. Esse efeito é especialmente sentido por mamíferos e répteis que dependem da regulação térmica externa para dormir ou caçar.
No Brasil, temos um exemplo claro de como essa dinâmica está afetando os animais. Um estudo recente da Universidade de Brasília (UnB), publicado no Journal of Animal Ecology em 2024, analisou o comportamento de pequenos roedores no Cerrado, como o rato-do-cerrado (Thalpomys cerradensis). Esses animais, historicamente ativos à noite, têm mudado seus padrões de atividade para o período diurno em resposta ao aumento das temperaturas noturnas. Isso significa que, para escapar do calor, eles estão reduzindo o tempo de sono e arriscando mais ao saírem em horários que aumentam sua exposição a predadores diurnos, como aves de rapina.
A pesquisa revelou que, nas noites mais quentes, esses roedores diminuíram em 15% seu tempo total de sono. Para os cientistas, como o ecólogo André Vasconcelos, que liderou o estudo, essa mudança é crítica: "O sono é vital para que esses animais mantenham seu equilíbrio fisiológico. A privação de sono, causada pelas altas temperaturas noturnas, compromete a imunidade e a capacidade de tomar decisões rápidas, o que é crucial para a sobrevivência na natureza".
Espécies noturnas e o desequilíbrio do relógio biológico
Outro grupo que está sofrendo com essas mudanças é o das espécies noturnas, que dependem da escuridão e da temperatura amena para caçar, reproduzir-se e descansar. Com a elevação das temperaturas noturnas e o aumento da luz artificial em ambientes urbanos, o “relógio biológico” dessas espécies está sendo desajustado.
Em um estudo conduzido no Mediterrâneo, por exemplo, raposas e morcegos estão sendo forçados a mudar sua atividade para períodos mais quentes, alterando a cadeia alimentar da região. As corujas, que também dependem da noite para caçar, estão saindo antes do escurecer, prejudicando seu sucesso na caça e impactando a reprodução de suas presas.
No Ártico, onde os dias e noites são naturalmente extremos, as aves marinhas têm mostrado um comportamento ainda mais preocupante. Algumas espécies estão ficando acordadas por até 20 horas seguidas em épocas de maior calor, com impactos diretos na sua capacidade de se reproduzir e alimentar seus filhotes.
A saúde dos ecossistemas em risco
Essas mudanças nos padrões de sono não afetam apenas a saúde individual dos animais, mas desequilibram ecossistemas inteiros. Predadores que caçam à noite agora competem por presas que se tornaram ativas durante o dia. O aumento da competição por recursos gera maior estresse nas populações, levando à diminuição de algumas espécies e à proliferação descontrolada de outras.
Além disso, a privação de sono afeta a imunidade dos animais, tornando-os mais suscetíveis a doenças. Esse enfraquecimento pode desencadear surtos de epidemias em populações que, até então, eram saudáveis e estáveis.
No Cerrado brasileiro, a mudança nos hábitos dos roedores também tem consequências para o equilíbrio do ecossistema. Esses pequenos mamíferos são presas importantes para uma série de predadores. Com a mudança nos horários de caça, predadores que dependiam de uma atividade noturna enfrentam maiores dificuldades para encontrar alimento, o que pode alterar a dinâmica ecológica em larga escala.
Há soluções?
Embora o cenário possa parecer alarmante, há medidas que podem ser tomadas para mitigar esses efeitos. A mais urgente delas é combater as mudanças climáticas de forma direta, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e promovendo políticas ambientais robustas. Ao estabilizar as temperaturas, podemos ajudar a preservar os ritmos naturais das espécies.
Outra solução envolve a criação de áreas de proteção ambiental, onde o impacto humano, como a poluição luminosa e a destruição de habitats, seja minimizado. Reduzir o uso de luz artificial em áreas urbanas próximas a habitats naturais também pode ser um passo simples, mas importante, para ajudar a fauna noturna a restabelecer seus ciclos de sono.
As mudanças climáticas estão provocando alterações profundas nos ecossistemas, e o sono dos animais é uma das áreas afetadas. A elevação das temperaturas noturnas está forçando diversas espécies a mudar seus comportamentos, o que pode ter consequências devastadoras para a saúde animal e o equilíbrio dos ecossistemas.
À medida que continuamos a aprender mais sobre o impacto das mudanças climáticas, torna-se claro que proteger o meio ambiente é também proteger a nós mesmos, garantindo que os ciclos vitais da natureza permaneçam intactos para as gerações futuras.