Células do sangue podem indicar presença do câncer de mama
Estudo com participação de pesquisador brasileiro e apoio da Fapesp identificou alterações que podem ser usadas como "termômetro" da doença
Pacientes com câncer de mama sofrem alterações em células do sistema imune (presentes no sangue) logo nos estágios iniciais da doença, condição que pode servir de indicativo para diagnóstico de tumores agressivos e para melhorar o tratamento. A conclusão consta em estudo publicado na revista Clinical &Translational Immunology, conforme revelado pela Agência Fapesp.
A pesquisa foi conduzida durante o doutorado de Rodrigo Nalio Ramos, bolsista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em estágio de pesquisa realizado na Université Claude Bernard Lyon 1, da França. O trabalho foi orientado pelo pesquisador francês Christophe Caux e pelo brasileiro Jose Alexandre Marzagão Barbuto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
Segundo os autores, a descoberta pode contribuir, no futuro, para identificar tumores agressivos precocemente e para aprimorar intervenções personalizadas em imunoterapia. “É provável que um tipo de célula do sangue conhecido como monócito possa ser usado como ‘termômetro’ da doença. Pelo menos, foi o que verificamos em pacientes com câncer de mama”, disse Ramos à Agência Fapesp.
Segundo o pesquisador, os monócitos são um tipo de leucócito, ou glóbulo branco, e têm a função de patrulhar o organismo e identificar potenciais ameaças, como vírus, bactérias e células tumorais. Eles são produzidos na medula óssea e, após algumas horas na circulação, seguem para outros tecidos, em que se transformam em macrófagos (as células que “ingerem” e destroem os corpos estranhos ao organismo) ou em células dentríticas (responsáveis por levar informações sobre o antígeno a ser combatido às estruturas do sistema imune responsáveis pela produção de anticorpos específicos).
No estudo, os pesquisadores coletaram monócitos do sangue de pacientes com câncer de mama e tentaram diferenciá-los, no laboratório, em macrófagos pró-inflamatórios – aqueles responsáveis por sinalizar ao sistema imune a necessidade de mandar reforços ao local do tumor. As células foram coletadas em 44 amostras de sangue provenientes de pacientes com câncer de mama atendidos na França e no Hospital Pérola Byington, no Brasil – além de outras 25 amostras de indivíduos sadios que serviram de controle.
“Usamos um coquetel de citocinas [moléculas capazes de modular o sistema imune] para tentar induzir os monócitos a se diferenciarem em macrófagos pró-inflamatórios. Esse tipo de célula é responsável, em teoria, por sinalizar para o organismo e eliminar o câncer. Porém, em cerca de 40% dos pacientes com câncer os monócitos falharam em fazer essa transformação e apresentaram um perfil muito parecido com os macrófagos intratumorais associados a um prognóstico ruim”, conta Ramos.
Comportamento do câncer no organismo
Ao analisar a expressão dos genes nos monócitos, ou seja, quais RNAs mensageiros estavam sendo produzidos por essas células, os pesquisadores identificaram a existência de várias vias de sinalização alteradas – até mesmo nos pacientes cujas células se transformaram em macrófagos de maneira semelhante à de doadores sadios.
“Isso confirma que o câncer não é apenas uma doença local, não afeta apenas a mama, mas as células de forma sistêmica. Quando a célula de defesa vai para o sangue, ela já está alterada”, disse Barbuto.
Os pesquisadores ainda não sabem explicar exatamente como o tumor interfere no sistema imune. “Uma possibilidade é a secreção de fatores [proteínas com função moduladora] no sangue. Outra hipótese, mais complexa de se verificar, seria um efeito sistêmico via medula óssea. Nesse caso, a doença poderia estar afetando as células precursoras dos monócitos”, diz Ramos.
Segundo o pesquisador, o câncer pode se desenvolver muito lentamente, durante anos, e por isso o diagnóstico precoce é importante. “Se conseguirmos observar esses sinais de alteração nos monócitos ainda no início do processo, quando não há sinais da doença, talvez seja possível indicar exames complementares e verificar se há algo de errado.”