A história das “velas de baleia”: da lenda de Moby Dick à realidade da caça predatória
Coluna Papo Verde por Dani Fumachi
Durante séculos, a humanidade recorreu aos recursos naturais para atender suas necessidades energéticas e de iluminação. Um capítulo particularmente sombrio dessa história é a fabricação de velas a partir da gordura de baleias, prática que não apenas moldou economias e culturas, mas também deixou um legado ambiental devastador.
A caça às baleias começou a ganhar força no século XVI, especialmente com os baleeiros bascos, pioneiros na exploração dos oceanos em busca desses gigantes marinhos. No entanto, foi durante os séculos XVIII e XIX que a prática se intensificou, com os baleeiros americanos e europeus liderando a indústria. A gordura de baleia, ou espermacete, extraída principalmente das cabeças das baleias cachalote, era altamente valorizada pela sua capacidade de produzir uma chama limpa e brilhante, ideal para a fabricação de velas.
Moby Dick e a Cultura Baleeira
A obra-prima de Herman Melville, "Moby Dick", publicada em 1851, captura a essência e a brutalidade da caça às baleias. O romance narra a obsessão do Capitão Ahab em perseguir a mítica baleia branca, Moby Dick, simbolizando não apenas a luta entre homem e natureza, mas também a ganância e o impacto destrutivo da exploração desenfreada. Melville descreve com detalhes vívidos as técnicas de caça e o processo de extração do espermacete, oferecendo uma janela literária para a realidade daquela época.
A extração do espermacete envolvia um processo laborioso e perigoso. Após a captura da baleia, a carcaça era amarrada ao lado do navio, e os baleeiros utilizavam longas lâminas para cortar a camada de gordura em grandes tiras, conhecidas como "blanket pieces". Estas eram içadas a bordo e levadas para a "tryworks", uma espécie de caldeira a bordo do navio, onde a gordura era derretida e purificada em óleo. Este óleo, altamente valorizado, era armazenado em barris e utilizado principalmente para a fabricação de velas de alta qualidade e outros produtos. O trabalho era árduo e frequentemente realizado em condições adversas, refletindo a dureza e os riscos enfrentados pelos baleeiros.
O Impacto Ambiental
A caça intensa e descontrolada teve consequências desastrosas para as populações de baleias. Muitas espécies foram levadas à beira da extinção, com populações dizimadas em diversas regiões. Por exemplo, a população de baleias jubarte no Atlântico Norte caiu drasticamente, de mais de 100.000 indivíduos no início do século XIX para apenas algumas centenas no início do século XX. As cachalotes, especificamente caçadas pela extração de gordura para produção de velas, também sofreram um declínio significativo. No século XIX, milhares de cachalotes foram mortas anualmente, levando a uma queda drástica em suas populações globais.
Além do impacto direto sobre as baleias, a indústria baleeira também afetou os ecossistemas marinhos, perturbando as cadeias alimentares e a biodiversidade. A redução das baleias significou menos carcaças no fundo do mar, o que impactou espécies como tubarões e outros necrófagos que dependiam desses restos como fonte de alimento. Além disso, a diminuição das populações de baleias interferiu na regulação de populações de krill e outros pequenos organismos marinhos, cruciais na cadeia alimentar oceânica.
O Declínio da Indústria
Com o avanço da Revolução Industrial e a descoberta de fontes alternativas de iluminação, como o querosene e, posteriormente, a eletricidade, a demanda por velas de espermacete começou a diminuir. No início do século XX, a caça às baleias para a produção de velas tornou-se economicamente inviável e moralmente questionável, especialmente com o surgimento dos primeiros movimentos conservacionistas.
O espermacete (óleo de esperma), do qual a baleia deriva seu nome, era um dos principais alvos da indústria baleeira e era procurado para uso em lamparinas, lubrificantes e velas. Âmbar cinza, um resíduo ceroso sólido às vezes presente em seu sistema digestivo, ainda é muito valorizado como fixador em perfumes, entre outros usos. Garimpeiros procuram âmbar cinza como destroços.[9] A caça de cachalotes era uma grande indústria no século XIX, retratada no romance Moby-Dick. A espécie é protegida pela moratória da Comissão Baleeira Internacional e está listada como vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN / IUCN).
Hoje, as baleias são protegidas por várias convenções internacionais, e a caça comercial é proibida em muitos países. No entanto, a história das velas de baleia serve como um poderoso lembrete dos impactos da exploração insustentável dos recursos naturais. Ela nos desafia a considerar as implicações éticas e ecológicas de nossas escolhas energéticas e a buscar alternativas que preservem o equilíbrio ambiental.