1833: uma cavalhada na Freguesia do Belém
Ilustração de Cleverton Gomes
Por Luis Soares de Camargo
A história de Itatiba é repleta de acontecimentos de magnitude, e outros um tanto quanto curiosos. Hoje falarei de um deles, uma cavalhada ocorrida no Pátio da Matriz nos dias 16 e 17 de setembro de 1833, ou há exatos 191 anos atrás.
As cavalhadas, muito comuns no tempo do Império, eram encenações de lutas entre duas equipes a cavalo que lembravam as batalhas entre mouros e cristãos na Idade Média. Além dos confrontos em plena praça pública, havia música e o povo comparecia fantasiado com máscaras e festejava a exemplo de um carnaval.
Uma festa na Freguesia
Pelos idos de 1833 a pequena Freguesia do Belém, hoje Itatiba, contava com no máximo 2 mil habitantes que, em sua maioria, residiam nos sítios. Na cidade moravam cerca de 200 pessoas em poucas casas recém-construídas, pois as ruas ainda estavam sendo abertas.
Nesse ambiente, o anúncio de uma cavalhada foi um acontecimento! Os sitiantes, hábeis no manejo dos cavalos, cuidaram de espalhar a notícia, equipes se formavam para a batalha. O alvoroço foi geral, já que pouca ou nenhuma diversão havia naqueles tempos.
Primeira pausa: um personagem astuto
Corria o ano de 1831, dois anos antes da cavalhada, e apenas um ano após da criação da Freguesia do Belém. Naquela ocasião cabia aos vereadores de Jundiaí a nomeação de funcionários para alguns cargos de relevância na freguesia. Os candidatos eram escolhidos entre os chamados “homens bons”, ou seja, entre os brancos, proprietários de terras e que soubessem ler e escrever.
Poucos estavam à altura, mas logo o Sr. Manoel Rodrigues da Silva, muito conhecido por ser o filho de Antônio Rodrigues da Silva, o “Sargentão”, foi nomeado fiscal da freguesia. Como juiz de paz foi nomeado o sargento-mor Marcelino de Godoy Bueno, um dos mais ricos fazendeiros de sua época. Mas como era regra, era necessário nomear também suplentes para os dois cargos.
E é aqui que entra em cena o astuto José Rodrigues Penteado, um grande e abastado fazendeiro que não escondia seu gosto pelas diversões, pois sempre estava disposto a participar de serestas, caçadas e pescarias.
Cargos indesejados
Todas essas funções traziam preocupação, pois conflitos ocorriam a todo instante, o que tomava um bom tempo dos nomeados e os afastavam de seus sítios. Mais ainda, esses cargos não eram remunerados, resultando que muitos dos indicados pediam dispensa, geralmente alegando problemas de saúde. Mas, não era bem assim e muitos casos foram desmascarados.
Em 1831, portanto, José Rodrigues Penteado foi nomeado para o cargo de fiscal suplente mas pediu dispensa, dizendo que não possuía os requisitos. Analisando a situação, os vereadores de Jundiaí não aceitaram a desculpa.
Em 1832, Penteado foi novamente nomeado, mas agora para juiz de paz suplente e da mesma maneira pediu dispensa. O motivo? Alegou problemas de saúde e juntou atestados médicos. Ousado, não pensou duas vezes e também dirigiu um requerimento ao presidente da Província! Novamente os vereadores de Jundiaí não aceitaram o pedido dizendo que os atestados não eram oficiais e que sem demora Penteado deveria tomar posse. Caso não viesse, seria condenado por desobediência.
A cavalhada
Ao cair da noite do dia 16 de setembro de 1833, o então Pátio da Freguesia do Belém, hoje Praça da Bandeira, já exibia bandeirolas e arcos especialmente confeccionados com galhos, o que proporcionava boa decoração durante o dia. Mas durante a noite a escuridão só era quebrada pelas tochas e lampiões que produziam uma claridade tremeluzia, ora mais fraca, ora mais intensa, ao sabor do vento que teimava em soprar. Mas nada que impedisse o espetáculo que estava prestes a começar.
O povo chegava e aos poucos se acomodava no pátio e nas ruas ao redor, ainda em terra batida. Observa-se aqui e ali alguns mascarados, danças ao som de tambores e outros instrumentos que também marcavam o momento das batalhas, ou farsas, como então se costumava dizer.
Tudo correu como deveria e a festa foi um sucesso. E tanto, que se repetiu no dia seguinte, 17 de setembro. Mais música e danças, mais cavalos e cavalhadas até altas horas da noite.
Segunda pausa: uma denúncia
O nosso personagem José Rodrigues Penteado foi um dos mais animados participantes das cavalhadas. Exímio no manejo, estava sempre a postos nas batalhas com muito entusiasmo. Mas, eis que sua vibrante participação chegou aos ouvidos dos vereadores de Jundiaí!
Ora, não foi ele que alegou estar doente para não assumir o cargo de fiscal suplente da freguesia?
Ludibriados, os vereadores não esconderam a irritação e logo mandaram dizer a Penteado “que o mesmo é cheio de corpo, está robusto, como assim foi visto na cavalhada da noite do dia 16 de setembro no Pátio da Freguesia do Belém.” Souberam ainda que ele correu e participou dos festejos com desenvoltura, conforme registraram na Ata da Câmara de Jundiaí do dia 8 de outubro de 1833. Mas, e os atestados?
Eram falsos, como denunciou o juiz Marcelino de Godoy Bueno!
Fim do espetáculo: uma multa!
Só ficamos sabendo dessa cavalhada ocorrida em Itatiba no ano de 1833 por conta de todos esses conflitos e também porque o fiscal Manoel Rodrigues da Silva “esqueceu” de cobrar os impostos sobre espetáculos públicos. Sim, era lei, e o fiscal bem sabia das Posturas Municipais. Mas não o fez.
E justamente por este motivo, o fiscal foi cobrado a “lançar na conta da receita da freguesia as quantias provenientes das licenças ou multas da cavalhada, bem como as licenças das farsas ou mascarados nas noites dos dias 16 e 17 de setembro.”
Não havia mais desculpa e no dia 29 de outubro de 1833, “leu-se um ofício do fiscal do Belém, Manoel Rodrigues da Silva, fazendo entrar nas suas contas a quantia de 4 mil réis das licenças das farsas (espetáculos) que ocorreram na Freguesia do Belém.” Resta dizer que 4 mil Réis era uma pequena fortuna naquela época!
E que cavalhada animada! Antes, durante e depois.